Os dias de glória no
picadeiro já se passara a tempos, enterrados com Davi o grande. Este
sim vivera intensamente sob as luzes da ribalta. Fora adotado ainda
bebê por um casal de palhaços, tão logo cresceu, fundou seu
próprio circo, levando consigo sus pais, que devido a já adiantada
idade não demorara a deixa-lo só. Mas ainda jovem se encantara com
uma guria muito bela, de espirito simples porém requintado e cheia
de juventude.
Ensinou Bela os
truques e mistérios dos ilusionistas, ela rapidamente se encantou,
ma oque mais a encantou foi os segredos do trapézio. Não demorou a
tornarem-se o casal voador mais empolgante e famoso de todos os
circos, e com esta fama viajaram o Brasil por suas capitais e
interior. A fama correu mundo, e logo excursionaram pelas américas,
a trupe de trapezistas fora carinhosamente intitulada de casal
condor, pois o brilho do casal ofuscava os demais integrantes, embora
também fossem muito bons, assim viajaram para Europa e Oriente, onde
foram ovacionados pelo público, sempre com grande repercussão.
Depois que voltaram o circo foi ampliado, com uma lona muito maior e
passou a se chamar 'Circo Internacional Princesa Encantada'.
O tempo e as cidades
passaram e o casal condor decidiu serem três, ou quatro talvez....,
não demorou e Bela ficou grávida, faziam planos de deixar a vida
errante, mas não sabiam como, já que a vida dos dois era
direcionada aos palcos, ao picadeiro, não sabiam oque poderiam fazer
além de brilhar, Bela não mais podia voar sob a lona, deixara as
luzes para outra trapezista, embora Davi sentisse muito sua falta,
pois o brilho da outra não tinha a mesma graça que o de Bela, mas
ainda assim a vida fluía no compasso da felicidade com a vinda do
novo integrante da família voadora, que para surpresa de Bela e
Davi, eram gêmeos. Mas para tristeza do marido, Bela tivera
complicações no parto, não aguentou e morreu, deixando o casal de
filhos para o pai cuidar, seu marido nunca mais foi o mesmo, nãos
quis casar-se novamente e seu belo sorriso transformara-se num riso
artificial reservado para o fim de suas apresentações.
Os anos se passaram e
Davi ainda era um grande trapezista, voando cada vez mais alto,
girando cada vez mais forte, só assim era feliz, só assim sentia o
prazer da vida, nem mesmo o casal de filhos lhe dava satisfação,
pelo contrario, Nadia lembrava cada vez mais sua mãe, e isso o fazia
sofrer ainda mais as dores da saudade, chegava até a evitar a
menina, que desde cedo demonstrou um talento inato para as artes
circenses, enquanto Édipo era a própria apatia, herdada de seu pai,
embora aprendesse as artes do circo, nunca conseguira dar graça e
beleza as suas apresentações.
Em uma apresentação,
Davi, com olhar distante subiu as escadas do trapézio, Nadia então,
já fazia dupla com seu pai e o aguardava lá em cima, acompanhou
orgulhosa a subida do pai, era um festival internacional, os maiores
do mundo se apresentavam ali, e sua trupe continuava ainda uma das
maiores do mundo, seu pai a encarou, lembrou-se dos dias de glória e
felicidade voando junto de Bela, seu semblante se transformou em
alegria, balançou e saltou e voou alto, e cada vez mais alto, girou
e rodopiou no ar, fez manobras com toda a equipe, fez Nadia brilhar e
se destacar como Bela fizera em outros tempos e em seu espetáculo
solo subiu alto, e girou forte, arrancando aplausos de todos, subiu
na parte mais alta, sorriu para Nadia, que soltou o 'balancin', Davi
voou no ar, agarrou a barra e subiu muito, voltou com as pernas
dobradas para na volta subir ainda mais, e assim o fez, chegando ao
topo, soltou as mãos e desceu num voo, Nadia via a felicidade
estampada em seu rosto, como nunca vira antes, Davi não agarrou o
'balancin' e ultrapassou os limites da rede, foi o último salto do
grande Condor.
Ainda que seu nome
fosse reconhecido como uma das maiores trapezistas do mundo, Nadia
abandonou o circo, foi morar com sua avó materna, mudou de atividade
e sagrou-se campeã em ginastica olímpica, seu irmão continuou com
o circo, satisfeito por sua irmã ter abandonado a arte, agora era o
único dono , e não mais seria ofuscado pelo brilho do pai ou da
irmã, continuou as apresentações, mas a cada dia diminuía mais o
prestigio do circo e seu público, tentou investir em apresentações
com animais, fazia a alegria dos prefeitinhos de cidadezinhas, pois
por onde passava desapareciam os cachorros vira-latas, devorados pelo
casal de tigres sarnentos ou pelo leão banguelo e tremulo, os
palhaços perderam a graça, muito embora palhaços tristes sejam
engraçados. A má fama se apoderou do grandioso circo internacional
Princesa Encantada, Édipo, numa tentativa desesperada de marketing,
vendeu a grande tenda e alguns caminhões herdados de seu pai, e
comprou uma tenda menor, igual aquela primeira que seu pai comprara,
mudou o nome do circo para Circo Internacional Condor, na tentativa
de usar a fama conquistada por seu pais. Casou-se com uma aspirante a
trapezista com brilho e talento comparado ao seu, não demorou e a
moça perdeu a forma esbelta, assim como ele também não estava mais
no auge de sua forma física. Os caminhões enferrujaram os animais
morreram velhos ou doentes, a lona mau cuidada envelheceu e ficou
toda remendada ou furada, motivo de chacota para o público, e o
fabuloso circo passou a viver de pequenas apresentações em vilas de
cidades da periferia.
Recentemente eu mesmo
os vi, num terreno baldio dum bairro pobre de uma cidadezinha
suburbana, fez espetáculos beneficentes, em prol dos flagelados de
uma grande enchente, conseguindo assim mantimento para o casal
sobreviver por mais uns meses em seu próprio flagelo.